A autonomia da criança intersexual: crítica à teoria jurídica das incapacidades

Autores

  • Roxana Cardoso Brasileiro Borges Universidade Federal da Bahia
  • Andréa Santana Leone de Souza Universidade Jorge Amado
  • Isabel Maria Sampaio Oliveira Lima Universidade Católica do Salvador

DOI:

https://doi.org/10.18593/ejjl.v17i3.9548

Resumo

Resumo: O tema da autonomia da criança perpassa a evolução histórica da sua condição enquanto sujeito de direito. Quando uma criança nasce com genitália ambígua, configura-se uma situação complexa que exige diversas iniciativas interdisciplinares. Com o presente artigo visa-se discutir a respeito da autonomia privada da criança intersexual diante da teoria da incapacidade jurídica. A autonomia privada da criança intersexual representa um direito humano, relevante e atual. Adotou-se uma abordagem de natureza qualitativa com revisão de literatura e revisão legislativa. Ao longo da revisão, constatou-se que a legislação, mecanismo de proteção desse segmento, está em contínua mudança. Quanto à produção científica sobre a intersexualidade, evidencia-se que as nominações da situação intersexual são diferentes, conforme o campo do saber e da prática. Constata-se, ainda, que a discussão sobre autonomia da criança intersexual não tem sido privilegiada. Reconhecendo-se o paradigma atual da proteção da criança, tem-se que o poder familiar, outrora irrestrito, passou a ser mitigado pelo princípio do melhor interesse da criança. Entende-se como medida mais adequada à proteção da criança que a cirurgia de definição do sexo, quando não for necessária à manutenção da vida, seja protelada, visando à percepção da criança enquanto parte do processo de definição do sexo de criação. Essa posição se fundamenta na dimensão participatória ou emancipatória que incide no debate sobre a capacidade de a criança exercer seus próprios direitos, segundo o conceito de autonomia progressiva. Palavras-chave: Direito da personalidade. Direito da criança. Intersexualidade. Autonomia.

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Biografia do Autor

Roxana Cardoso Brasileiro Borges, Universidade Federal da Bahia

Doutora em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mestre em Instituições Jurídico-Políticas pela Universidade Federal de Santa Catarina, Bacharela em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Professora Associada de Direito Civil da Universidade Federal da Bahia, Professora Adjunta da Universidade do Estado da Bahia e do Centro Universitário Estácio de Sá.

Andréa Santana Leone de Souza, Universidade Jorge Amado

Mestra em Relações Sociais e Novos Direitos pela Universidade Federal da Bahia, Bacharela em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Membro do do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos, Direito à Saúde e Família. Docente na Universidade Jorge Amado

Isabel Maria Sampaio Oliveira Lima, Universidade Católica do Salvador

Doutora em Saúde Pública pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, Juíza de Direito, Professora do Programa de Pós-Graduação em Família na Sociedade Contemporânea da Universidade Católica do Salvador e Coordenadora do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos, Direito à Saúde e Família

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Publicado

20-12-2016

Como Citar

Borges, R. C. B., Souza, A. S. L. de, & Lima, I. M. S. O. (2016). A autonomia da criança intersexual: crítica à teoria jurídica das incapacidades. Espaço Jurídico Journal of Law [EJJL], 17(3), 933–956. https://doi.org/10.18593/ejjl.v17i3.9548