DIREITOS H*MANOS: A "RETÓRICA" DO UNIVERSAL*SMO EM UMA
S*CIEDADE GLOBAL MULTI*U*T**AL
HUMAN RIGHTS: TH* "R*ET*RIC" OF UNIVERSA*ISM IN A MU*TICUL*URAL
GLOBAL SOCIETY
Aurélio Adelino Bern*rdo*
Res*mo: O presente artigo tem como esc*p* re-
pensar * un*versa**dade dos Direi**s Humanos no
*undo contem*orân*o *ulticult*ral, para que
e**a pos*a ser comp*tív*l com a* d*ferenç*s cul-
turais, e como co*ol*rio mais eficaz, ** *eja, pre-
Ab*tract: This arti*le aims to *ethink the u*iversa-
lity of Hu*an *ights in the con*emporary *ul*i-
cultur** world, f*r t*at it can be c*m**tible wi*h
the cultural di*e*ence, and m*re effectiv* as a co-
rollary, or, i* was *ntended to th*nk H*ma* Righ*s
tendeu-s* pe*s*r os Direi*os H*manos em
uma
in * plural contemporary society, m*rked by di-
socie*a*e *o*te*porâ*ea p**ral, marcada pela
*e*sity *nd equalit* within a **t*rialistic and rea-
diver*idade * p*la iguald**e *o âm*ito de
um*
listic con**ption of *uman di*nity.
conc*pção *aterial e *ealísti*a da di*nidade
da
**ywords: Hu*an Rights. Dign*ty o* t*e human
pessoa human*.
p*rson. Mu*ticult**alism. *niversality. Cultura*
Palav**s-chave: Direitos Humanos. *ignidad* da
relativism.
pessoa hum*na. Mul*i*ulturali*mo. Univer*ali*a-
*e. Re*ativismo cul*ural.
*
Graduado em Dire*to pela Fa*uld*d* de Dir*ito da Universidade *duardo Mon*la** de Moça*bique; *estra*d* em
Di*eito na área de Dir*ito* Humanos e Democ*acia pela Univer*i**de *ederal do *araná; Profe*sor *a Universid*de Peda-
góg*ca de Moçambique; Rua Ébano Pr*ir*, 17*, ap. 21, 80210-240, Curitiba, PR; ab*rnard*200*@gmail.com
EJJL
Chapecó, v. 15, *. 1, p. 119-132, j*n./ju*. 2014
119
A*rélio Adelino Bernardo
Intro*ução
Hodi**namente, vive-se em uma socieda*e **ob*l multic**tur*l e*t**bada em
di*erent*s pressu*ostos cultu*a*s, relig*osos e civilizacionais, t*d*v*a, a proposta *o ca-
pitalismo g*o**l*z**o visa essenc*almente unir econ*mi*amen*e o mundo, * para al-
ca*çar tal *esiderato, foi necessário criar uma ba** política, simbó*ica e jurídica mais ou
men*s *omum.
Os D*reitos Hu*a*o* surgiram no contexto da cultu*a ociden*a*, e seus valo-
res foram *eclara*o* universais, ou seja, para t*do o *omem, indep*nd*ntemente
d*
lugar, pelo *imples *a*o d* *ua c*n*i**o human*, ign*r**do q*ase *o* comp*eto o*
particula*i**os das o*tras c*lturas * *a*sando algu*s embates de civilizaçõe*, culturas
e tradições. O presente ar*igo, intitulado tem como esc*po repensar a universalidade
dos *ireit*s Humanos, para que est* deixe de s*r ab*trata * p*ssa s*r compatível e mais
rea**sti*a com os par*icularismos *ulturais da sociedade contemporânea; ** seja, preten-
deu-se *ensar os Direitos Hu*anos e* uma sociedade con*emporânea plural, marcada
pel* divers*dad* e pela igualdade.
No pla*o metod*lógico, ser* abordada, e* um pr*meir* momen*o, a proble-
mática da del*mitação terminoló*ic* dos Direitos *umanos, que muito tem *igladiado a
*outrina, e caus*do muita impre*isão legislativa. E* *m segundo pla*o, debruçar-se-*
sobre o conteúdo e o si*n*ficad* d* dignidade da pessoa h*mana, de fo*ma a transcen-
der d* pla*o ** abstração para *e cheg*r a uma con*epção m*terial e realística da *ig*i-
*ade *a pessoa h*mana. Em um tercei*o m*ment*, será aborda*a a *uest*o da univ*r-
s*lidade dos Dire**os Human** na sociedade g*o*al multicu*tur*l, a**lisando a tensão
*n*re o universalismo e o rel*tivismo, bem *omo repensan*o o unive*salismo ab*tr*to,
d* modo a *e alcançar um* forma *apaz de expressar a *eal d*nâ*ica * complexida*e
dos Di*eito* H*manos que po*s* se* c*nsen*ânea com a *ociedade *odiern*.
1 O proble*a da delimitação termi*ológica: di*eitos do *omem,
Direitos
Fundame**ais e Direit*s Humano*
Vários são os termos que têm sido usa*os em difer*ntes t**to* legais, bem
com* por par** *a dout*ina para *esignar os chamad*s "Dir*i*os Huma*o*" ou *eal*-
dade* m*ito próximas, tornando-se um conc*ito ambíguo. De**es termos, destac*m-se
as expre*sõe* "Direi**s *undamenta*s", "direito* do homem", "liberd*de* públicas",
"direitos públic*s su*jetivo*", "direitos su*jetivos", "di**itos in*ividuai*" e
"Dire*tos
Humanos Fundamentais", send* a Cons**tuição Fede*al do B*a*** u* e*empl* a*quetí-
*ico desse qu*dro.* No **tanto, ater-*e-á às expressões "direitos do ho*em", "*ir*itos
Fundamentais" e "Direito* Humanos", por *erem os mais utilizad*s * os *ue m*is digla-
1
A *ít*lo d* e**mplo, a Constit*i*ão Federal de 1988, no *rtigo 4º, Inc. II, usa a e*pr*s*ão "Dire*tos *umanos", no **ti*o
*º, Inciso LX*I *mprega a expressã* "Dir***** e Liber*ades Constitucionais", *o § 1º do mesmo artigo, aplica a expressão
"**reitos e ga**n*ias fun*amentai*" e n* art*g* *0, § 4º em*r*ga a exp**ssão "Direi*os e Garantias Indivi*uais".
120
EJ**
Ch*p*có, v. *5, n. 1, p. 119-132, jan./ju*. 2014
Dire*tos h*manos: a "retó**ca" do univer*alismo...
diam * doutrina e*pec*al*z*da; *ontudo, importa **t*belecer, ainda *u* *e forma *ucin-
*a, um* delimi*ação **r*inológica **tre os **reitos Humanos e alg*ma das e*pr*ssões
aqu* destacadas, e qu* marcam em p*rte o evolui* d* pr*teç*o desses *irei*os inerentes
* *e**oa huma*a. Luño (1995, p. 29) ass*nala q*e, pa*a uma melho* aprox*m*çã* *on-
ce*tual dos Direitos Hum*nos, *eve-se prima fa*i*, con*ider** os limites *entro **s qua**
essa exp*e*sã* p*de ter significado p*eciso, e por outro **d*, esta*el*cer *ua* relações
co* fi*ur*s afin* den*** do uso li*guístico d* teo*ia e da prática.
Assim, recorrendo à autoridade c*entí*ica de Luño (1995, p. 32), que de for*a
lúcida e didática, de*ruça-se sobre as refer*das figu*as afins, pode-se re*er** que os d*r*i-
tos s*bjetiv*s difere* do* D*r*itos *umanos p*lo f*t* de aq*eles poderem des*parecer
por vi* da tr**sfer**c*a ou **escriç*o, *nquant* as liberdades qu* de*iva* do* Dire*to*
Humanos em princípio são inalie*áve**. J* a expressão dir*i*os públic** subjetivos,
o
con*eituado aut*r considera com* *ma cate*or*a *istó*ica lig*da *o *uncion*mento do
Estado Li*eral no **al cons**tuía* esferas de *t*vidades *rivadas co*traposta* à a*ivi-
dade p*blica ou *omo l*b*r*ades lim*tadoras do *oder, * tendo passado a se considerar
*o contexto d* Es*ado *oci*l de Direi*o como *omen*os de exercício de poder que não
se c*n*rapõem, mas co*xistem, o que leva * subst**uiçã* dessa noção por *ire*tos Fu*-
*amentais, vistos c*mo l*mitaçã* *ue a soberan*a popular i*põe aos órgãos *u* depen-
dem de*a. Is*o *, * conceit* de direitos públi*os subjeti*os é s*pe*ado *ela dinâmica *co-
n**ica * social. O direit*s indiv*duai* refer*m ** liberdades civis e os direitos civis, ou
sej*, incluem a*enas os d*reit*s denomin*d*s da *rimeira g*ração o* di*ensã*, *omo *
direito à vi*a, à ig*al**de e à p*o*riedade (R*MO*, 2005, p. 24). A expressão liberdades
públicas é al** d* crítica p*r *ão en*lobar os direitos e*onômicos e so*iais (*I*AND*,
*9*3, p. 50 apud RAMOS, **05, *. 25). Sarlet (**0*, p. 2*) c*nsidera *ais *x*res*ões a*u-
didas c*mo ter*os genéricos, anacrôn*cos e, em parte, d*vorciad*s da situação *odierna
d* evoluçã* dos Dir**tos Fundamenta*s no *mbito do Es*ado (Democrático * Social) de
Di*eito a** mesmo em nível do Direito Internacional.
Outrossim, mos**a-se b*sta*te p*rtinente estabelecer a rela*ão ent*e a expressão
direitos do homem ou di*eit*s n*tur*is, D*reitos H*manos e Direitos **ndam***ais, até
*or forma a jus**fi*ar o uso da ex*ressão "Dire*tos Humanos" nes*e tema. Ambos apr*-
sentam um d*nomi*ador comum, que *e prende a* fat* de serem dir*itos inere*tes à
natureza h*mana, ass*m, a n*tureza desses direi*os não p*de **r u*ada com* el*mento
de dife*enc*ação, uma vez que tod** são "Direitos Humano*". Co* efeito, é comumente
usad* pela d*utrina c*mo *ritério de dif*re*ciação a positivação ou níveis d* posit*vaç*o.
*s ius**tural*s*as *onsideram q** os Direitos Humanos t*m a *ua gênese na afir-
maçã* d*s ideais do direito na**r*l, *endo aque**s um pr*longamento de*te. *o entant*,
hodiernam*nte, o* Direitos Humanos apresentam um rol de direitos mais am*lo *ue os
*ireit*s *aturais, *ru*o da sua evolução h*stóric*, * que torna a equip*r*ção do* direitos
nat*rais com os *ireit*s Humano* pouco correta. Con*udo, *s *ir*itos natura*s *iveram
b*stante influência na *oncepção do homem e na co*st*uçã* hi*tórica dos *ireitos H*ma-
no* e Fundamentais, visto *ue e*tes resultam do rec*nh*cimento d*s c*munidades esta-
tais daque*es dir*itos, assumindo, assim, uma dimensão *ré-estatal (SAR*E*, 20*8, p. 30).
EJJL
Chapec*, v. 1*, n. 1, p. 119-13*, ja*./jun. 2014
121
Au*élio **e**no Bernardo
Nesse prisma, os *ireitos do home* correspondem à "pré-história" do* Di-
*eitos Hu*anos e Fundamentais, sendo direi*os natu*ais *inda nã* *osi*ivados, q*e*
nas esf*ra* do o*denamento *urídic* e*ta*al q*er no ordenament* jurídico inter*acio-
nal (SARLET, 2009, p. 30). No *u* se r*fere à e*pre*são "D*reitos H*manos" e "D*r*i-
tos Fundamentais", elas têm, muit*s v*z*s, si*o utilizadas de *orma indisti*ta, *o*ém,
*xis*e um **an*e debate d*utr*nário a respeito da *istinção dessas figura*. *omparato
(*001, p. 56) consid*ra q** *s Direit*s F*ndamentais são os "[...] d*reitos *umanos re-
c*nhe*ido* co*o tal pe*as au*oridades, às quais *e atribui o poder pol*tico de *egisl*r,
tanto no plano inter*o quanto no plano internacio*al, ou seja, *ão direitos human*s
positivado* nas *ons*itu*ções ou tra**dos internaci*nais." Importa realçar qu*, para esse
i**str* autor, o q*e caracter*za *s Direi*os Fund*mentais é a simples p*sitivação,
ou
re*onhec*m**to *orm*tivo **s Direitos Human*s, po**ndo essa normatização ocorrer
tanto *o âmbito interno qu*nto no inter*acional. Co* efeito, parec*-n*s que o cri*ério
** disti*ç*o apre*enta ainda ambiguidade, *i*t* *** apen*s realça o caráter f*rmal ou
*at*rial dos Direitos H*mano*, p*is, cumprindo os requisit*s f*rmais de *os**iva*ão,
denominam-se Direito* Fund*m*ntais, enquanto tanto *stes e *quel*s podem ser f*r-
*ai* *uant* rec*nhecidos nos textos legais, e matérias *uand* não aparecem *e form*
expressa nos t**to* legais, desde q*e sejam relativ*s à dignidade da pessoa huma*a.
Nes** sentido, Miranda (1988, p. 7) refe*e *ue "[...] a* posiç*es jurídicas subjetiva* das
pesso*s enquanto tais, qua**o assentes *a constituição formal resultam em
Di*eitos
Fundamentais em Sen*ido Formal ou na Constit*ição material donde re*ultam *ireitos
Fund*m*n***s em *ent*do mater*al."
Ora, o insigne doutrinário hispânico LUÑO (1995, *. 31) *ealça a tendência do us*
da *xpressão Direito Fundament** para de****a* os Dir*i*os H*manos positi**dos em nív*l
inter*o e a exp*es*ão Direitos Hu*anos, usada no plano inte*nacio*al. *o mesmo sentido,
e*tende Sa*l*t (2009, *. 30), ao referir de *orma didática, que os Direitos Humano* são o* po-
si*ivado* na e*fera intern*cional e *s D*reitos Fundamentai*, os reconhecidos ou outor*ado*
* protegidos *elo *irei*o c*n*t*tuc*o*al interno de *ada Estado. As**m, ness* dis**nção, res-
sal*a o fato de *s Direitos Fund*mentai* encon*rarem-se circunscritos aos *i**tes espac*ais e
t*mporais *o dir*i*o positivo de um estado, servi*do ***o base do Estado Demo*rático de
Direito, qu* p*ega, entr* outros *rincí*i**, a d*gnidade *a pesso* humana.
Com ef*ito, B***os (2003, *. 39) nega a dicotomia *ntre Dir*itos Humanos e D*-
reito* F**damentais, advog*ndo qu* o *nstituto é uno, e *penas o*orre uma a*reviação,
visto qu* no entender do referido aut*r, não se pode por os Direitos *umanos em uma
si*uação d*ontoló*ica *om contornos a*plos, *m*recisa e *nsegura, aparecendo s*m *u-
tela o* conc*eç*o reforçada, enqu*nto aos Direitos Fu*damen*ais é atr*bu*da uma índole
ontológi*a com con*reçã* n*rmativa * refor*ada *as constituições de ca*a *st*do. As-
sim, p*ra es*e insi*ne jurista, a expressão ma*s a*ertada é a de *i*eito* Humano* e F*n-
da*entais, visto que ap*nta a unidade e a in*issociabilid*de entre os Direi*os Humanos
e os *i*eitos Fundamen*ais, porém, co*cor*a que os dir*itos **o, ora mais, ora menos
funda*entais ou o*eraci**ais (B*RROS, 2003, p. 47). E*tende-se que nã* existe relação
de exclusão ou de s*paração entre o* Direitos Humanos e Fundamentais, mas uma cor-
1**
EJJ*
*hapecó, v. 15, n. 1, p. 119-132, j*n./j**. 2014
*ireitos humanos: a "retórica" do universalismo...
relação entre ambos, po*s t*d*s os *ireitos Funda*e*tais são D*rei*os Humanos, mas
nem todo Direito Hu*ano é Direito Fundamental, e es*a dico*o*i* surge prec*sa*ente
como sabiamen*e o ilustre a**or afirm* d* necessida*e de o**racionalizar os Dir*i*os
Humanos para melhor pr*teg*r a condição humana. É nesse *enti*o que o u*o das ex-
*ressões Direitos Humanos e Direitos Fundamentais surge no âmbito de*sa tentativa de
mai*r concr*ti*ação e *r**eç*o da *ignidade da pessoa humana, não imp*ican*o uma
exclu*ão o* se*a*ação entre ambos.
Ademais, pod*-se s*s*en*ar a p**iç*o deste traba*ho co* *ase na p*oposta d* de-
*iniçã* dos Direitos Humanos a*r**uída por Luño (199*, p. 48), *egundo o qu*l considera:
[...] os Direitos H*ma*os *omo um conjunto de facu*dades e in*tituições *ue,
em cada momento histórico, co*cret*zam as *xig*ncias da dign**ade, da li*er-
d*de e da igualda*e humana, as quai* devem ser rec*nhecid*s positi**mente
pel*s ordenamentos jurí*icos * ní*e* naci*na* e internacional.
C*mo faci**ente *e pode d**reender, da bril*an*e de*in*ção a*rib*ída *elo ju-
ris*a hi*pânico, os dire*tos *umanos devem s*r p*sitivados não s*mente na e*fera in-
terna*i*nal mas também *a ordem nacional, se*do cun*ados Direitos F*ndamentais,
todavia, **nserva* aind* * sua índole *e Dir*ito* Human*s.
2 Conteúd* e si*nif*cado da dignidade da *e*soa *uma**
A pal*vr* dig*idade tem a *ua r*iz epi**emoló*ica do latim *ignus, "[...] *ue si*-
n**ica aquele que me***e est*ma e honra, **uele que é i*portante; sendo a su* utili*aç*o
*orresp*n**nte sempr* às pessoa*, mas ao long* da antiguidade foi referida * espéc*e
humana c**o um to*o, s*m que tenha havido p*rson*fica*ão." (MORAES, 200*, p. 7*).
São Tomás de Aquin* pensou a dignidad* *ob dois prismas dif*rentes, a *ig-
nid*de como al*o inerente ao ho*em, como espécie; * *la existe in ac*u som*n**
no
h*m*m **qua*to i***víduo, passando, d*ssa forma, a residir na al** de cada ser hu-
ma*o (BREUVART ap*d MORAES, 2*06, p. 133). *o entanto, Ka*t (2003, p. 292) vê no
respeito *elo outro a li**tação da autoestima pe*a dignidade da humanidad* pre**nte
na o*tra pessoa. Como se po*e depreender, para Kant, a *ignidade é uma
q*ali*ade
int*ínseca e patent* e* *oda a humani*ade, visto que essa qua*idade intrínseca do ho-
mem, por pertencer a todos o* h*mens e não a algu*s, transforma-** e* um* qual**ade
da humanidade. É ne*se *risma que nas relações int*rsub*etivas o dev*r de res*e*to ao
outro é um corolário dess* qu*lidade, ou sej*, da *i*nidade da *essoa humana.
**a, a dou**i*a kantiana re*lça o valor do homem, fruto *a *ua d*gnida**, que
não o permite ser um meio par* o al*ance d* fins *xtern** a *le, mas apenas pode ser um
fim em si mesmo; *u *eja, em vir*ude da *i*nidade p*t*nte no hom*m, ele jamais *ode
ser us*do como um *nstrumento, pois tem u* val** **trínsec*, a dignidade, f*to c*m
q*e o torna sem preço, com* se pod* *islumbrar da máxima kantian*, o homem deve
ser um fim em s* *esmo e n*o um mei*, * n*o *e pode degrad*r a qualq*er out*o *er
*u*ano, redu**ndo a um mero mei* pa*a os meus *ins (KANT, 2003, p. 293).
EJJL
Chape*ó, v. 1*, n. 1, p. 11*-1*2, j*n./jun. 2014
123
Aur*l*o Adelino B*rnardo
Outro**im, a dig*idade é i***mamente liga*a * *ond**ão h*mana, por isso é
um* ca*acterístic* de todos os hom*ns, porém, ela não exclui a pl**alidad*, t*pic* do*
homens, como refere Arendt (20*8, p. 188), a pluralidade humana, como *o*dição bás*ca
da ação e *o discurso, tem * duplo aspec** de igualdade e d*ferença, à medida *ue *e
os h*mens não fossem iguais, seriam *n*apazes de compreender-se entre si e os s*us
anc*strais, ou de fa*e* *lanos para o fu*ur* e prev** a* necessid*des das g*rações vin-
*ouras. S**os t*d*s humanos, e co*o ta*, ig*ais em dignidade, po**m, com diferenças
t*picas da plurali*ade da condiç*o human*, o q*e dificulta * defi*ição do signific*do
* conteúdo da dignidade da pes*oa huma*a. Ora, o conteúdo da dignidade da pessoa
humana * de *al *orma complexo, que Azevedo (apud SARLET, 2009, *. 15), partind* do
pres**posto de que a dignidade, ac*ma *e tudo, diz com a *o*diçã* hu*ana do ser *u-
mano e *ue, portanto, g*a*da íntima * *ompl*xa relação *, de modo ger*l, *mprev*sív*is
e praticament* incalculá*eis manifes*açõ*s da personalidade humana, assinala a gra*de
d*ficuldade na tentativa de definir o conteúd* dessa dig*i*ade da pe*s*a.
Ademai*, aliadas às di*ersas mani**stações *a *erso*alidade huma*a de cada
indi*íduo, enc*ntram-se as diversas manife*tações dos grupos, *u se*a, c*da grupo ado-
ta diver*as mani*es*aç*es *ulturais, práticas e valores *u* ag*çam o car*ter aberto da
dignidad*, tor*and*, a*sim, ainda mai* co*plexa a t*refa de **alisar o* d*finir o cont*-
údo da dignidade da pe**oa humana.
Ne*se prisma, tend* em ate*ção *ssas manifestações de gru*o * de per*ona*i-
dade, Sarlet (2*09, p. *4) refere que:
A *ignid**e da *e***a hum*na n*o *iver*e de outros valore* e prin*ípios jurí-
dicos - de categoria aberta, não pod*rá se* co*ceituada de man*ira fix*sta, ain-
*a ma*s q*ando se verifica que *ma def*nição desta natureza não harmoniza
com * pluralismo e a diversidade de v*lore* *ue se manifestam nas sociedade*
democráticas contemporâneas.
Assim, o conceito e co*teúdo da digni*ade da *ess*a hum**a, e*ta e* *erma-
nen*e process* de construção e desenvolvimento, fruto dos diversos valo*es e práticas
**e a ca*a época, e de aco*do com o lugar, vão ganhando import*ncia e **racteríst*cas
d*feren**s. Por *ssas razões, uma par*e da doutrina *ntende que a dignidade da pess**
*umana não po** ser vista exclusivamente *o*o algo *nerente * co*dição humana, à
medida qu* a dignidade também possui um sent*do cultur*l sen** fruto do trabal*o de
diversas gerações e da human*dade no seu *odo, razão pela qual *s dimensões nat*ra*
* cultural da di*nidade da pessoa huma*a se co*plem*ntam n* seu todo e interagem
mut*a*ente (SARLET, 2009, p. 28).
N*ssa tentativa de definir o con*eú*o e a naturez* da dign*dade, Sarlet (2009, p.
37) *ro**e definir * di*nidade com*:
A qual*dade intrínseca e distint*v* re*onhec*da *m cada ser hu*ano que o faz
merec**or d* m*smo respei*o e c*nsideração *or parte do Estado e da *omu-
*idade, implic*ndo, ne*t* sentido, um complexo d* dir*itos e deveres funda-
mentais q*e ass*gu*em a pess*a tanto cont*a todo e qualqu*r a*o de*radante
e d*su*a*o com* venha lhe garantir as condiç*es *xis*enci*i* mínima* para
124
EJJ*
Chapecó, v. *5, n. 1, p. 119-*3*, jan./jun. 201*
*ireitos human*s: a "retórica" do univ*rsalismo...
u*a vi** saudável além de propici*r e promo**r sua part*c*pa*ão ativ* e *or-
r*sponsável nos d*stinos da própria existência e da vida *m co*unhão com os
demais ser** *uma*os.
Da *oção proposta p*l* au*or, destaca-se o fato de a dignidade ser uma qua-
l*d*de reconhecida aos seres hu*anos, e dela d*riva* um n*cleo de direitos e devere*
essen*iais *ara a exi*tênci* do homem, ou *eja, ** núcl*o de Dir*i*os *u*damen*ais.
P*ra Co*parato (1997, p. 28):
A digni**de de c*d* homem consis*e em ser, e*sencialmen*e, uma pesso*, isto
é, um ser cujo valor éti*o é supe*ior * todos os *emais *o m*ndo. O pleo*asmo
da express*o direitos humanos, ou *irei*os do ho*em, é assim justi*icado, por-
que se trata de e*igênci** de co*por*amento fundadas **sencialmente na par-
ticipação *e todo* o* indivíduos no gênero hu**no, sem atençã* às diferenças
concretas de ordem individu*l ou social, **erentes a cada *om**.
Pelo exposto, pod*-se concluir qu* a *ig*id**e d* pess*a hu*ana * uma qua-
*idad* *nerente a *o*os *s homens, um pri*cí*io a*erto que deve *er definido de acordo
com * tempo, o luga* e o con*exto socioc*l*ural; to*avia, importa refe*i* que, hodierna-
mente, a *i*nidade *a pessoa h*mana deix*u de s** exc*us*va m*n**estação conceitu*l
do campo do direi*o natural met*positi*o, cujo fund**ento ora se buscava na razã*
divi*a ora *a razã* huma*a, para se tornar em u*a *orma jurídic* *utônoma de *ra*de
teor axiol*gic*, i*rem**sivel*ente presa à concretização cons*itucional do* Direi*o* F*n-
damentais (BON*VID**, 20*1, p. 19) e do Estado Democrático de D*reito.
É nesse pri*ma que após a Seg**da Gue*ra Mundial, m*rm*nte após a apro-
*ação *a Decla*ação Universal d*s D*reitos do Home* de 19**, com* reação à* atro-
cida*es pe**etr*das pelos nazis*as e fascistas, **e grande pa*te dos Estados consagrou
o pri*cípio *a d*gnid*de da pesso* hum*na na sua lei *undamental.* Nesse aspecto, a
Co*stituiç*o Fede*al ** Brasil de 1988, no *eu **tigo *º, inciso III, es**belece que a d*gni-
dade da pessoa hum*na con*titui um *os fundamen*os do Esta*o Federal, *tribuindo-a
*alor *e n*rma j*rídica *ons**tuc*o*al *e extrema *mpo*tância, visto *ue tal princípio
se torna guia de toda uma *omun*dade estatal, desde o poder pol*tic* ** simples cida-
*ão que deve respeitar a dignidade patente no outro. Contudo, o *econhecime*to da
*igni*a*e c*mo princípio o* até mesmo c*mo reg** jusfu*damen*al nã* reduz a sua
dimensão de val*r fun*amental ** todo o ordenamento ju*ídic*, mas visa at*ib*ir maior
eficácia e ef*tividade (SAR*ET, 2*09, p. 8*) ao núcleo de direi*o *ue lhe são inerentes,
i*to é, a*s Direitos F*ndamentais.
C**o se pode depreender, a dign**ade *a pessoa hu*ana *ssume im*ortância
p*rene nos Estad*s *emocrá*ic*s de Direito, da*o o s*u c*r*te* fundament*dor dos
Di*ei*os F*ndame*ta*s * de pilar do Estado.
2
Alguns exemplos d* pa**es a *s*atuir na sua Cons*ituição o *rincíp*o da dignidade da pessoa humana foi a Alemanh*,
o primeiro a consag*ar, seguido das Con*tituições *e *ort*g*l, Espanha, entre **tro*.
EJ*L
Ch*pecó, v. 15, n. 1, p. 1*9-13*, jan./jun. **14
125
A**é*io Adelino Bernardo
3 O universalismo em uma socieda** global mul*icul*ural
A D*claração Univ*rsal dos D*re*tos **manos ap*ovada em **47, como respos-
ta às atrocida*es cometidas pelo* regimes autoritári*s na*i*ta e fasc*sta, a priori realça o
seu escop* *m *tribu*r um c**áter univ*rsal *os Direitos Hum***s. E*sa univ*rs*lidad*
consubstanci*-se no **to de a De*laração atrib*ir t**s Di*e*tos * todos os homens, pelo
simples fato *e se* ho*em, * como ta*, *o* *i*nidade, e pretend*r ser de uma aplic*ç**
*n*v*rsal in*epende*temente do lugar.
No *ntanto, os des*fi*s de hermenêutica, fundamentaçã* dos direitos humano*
no mundo hodier*o, *es*rvam desafio* diferentes dos do *ós-guerra. Pa*a Flor*s (2009, p.
15*), *m dos novos des*f*os do* Dir*itos Human** n* mundo conte*porâneo pr*nde-*e
* al*eração do **stema g*opolíti*o, q*e nos anos sub*equente* à ap*ova*ão da sup*acitada
Declaração era d* acumulaçã* capitalista *un*ada na i*clusão, estabe*ecend* as bas*s d*
es*ado de *em-estar **e, com a er* neoliberal, *assou a prevalecer um si*te*a geopol*tico
d* acumu*açã* de capita* bas*ada na excl*são, *ue ma*c*u a e*o**o d*s fun*õ** soc*ais do
Est**o e* virtude da crescent* d*sregula**ntaçã* do mer**do. Vive-se em um mundo
*lobalizad*, o que "[...] impli*a uma crescente *nte**onexão em vários níveis da vida coti-
*ia** a diversos luga*es lon*ínquos d* mundo", como s*ntetizou Lima (1996, p. 127), a*
*o*struir o t*po ideal da gl*balização. San*os (200*, p. 15) faz a destrinça e*tre a gl*b*liz*-
ção de-cima-para-baixo, o q*e co*side*a de glob*liza*ão h*gemô*ica ou localismo *loba-
lizado e g*obal*smo localiza*o, *a gl*balização de-*ai*o-para-cima ou co*tra-he**m**ica
ou, ainda, cosmop*litismo e patrimô*io co*um da *umanidade.
Ademais, Lim* (1996, *. 267-304) demonstra de fo*ma didática como * g*oba-
lizaçã* eco*ômica * o ne*liberal*smo acarr*taram um quadro de *xclusão social, à me-
dida *ue as *olíticas neolib*rais pressupõem a re*ução do pape* d* Estado *e imp*r
restri*ões ao *ercado livre * à conco*rência, d*ixando os indivíd*os de*ampar*dos,
levando ao re*rocesso dos di**itos da cidadania, *ncremento das injusti*as e d*sig*alda-
des sociais, do desemprego e da pobreza estrutural.
No mundo co*tempor*neo, cada *e* mais se verifica um incr*me*to das d*si-
gual*ades e*t*e pobre* * ricos, em que m*ita gente *e *ê obriga*a a imigrar à pr*cura
de melhores condi**es *e v*da, possibilit**do a maior inte*conexã* cul*ural, co*tudo,
realça-se também a fi*ura *o out*o, *rian*o, *or *ezes, focos de de*criminação. Nesse
sentid*, *ss*nala Flor*s (2009, *. 153), *ue o país de aco*hida, p*lo imig*ant* ser o *utro
(difere*te, *esigual, e*c.) m*nda, como *orolári* da lei *a pr*cura e da ofe*ta, a*lica*a *
tragédia de milhões de pessoas *o empobrecimento de s*us p*íses por causa *o capita-
lismo globalizad*. Or*, o capitalismo global*zado acarreta a mig*ação, e como tal mai*r
*lteridade, qu* or*gina a questã* de *dentidades e *e *ec*nhe*i**nt*.
Para Fl*res (2*09, p. 34), "[...] os Direitos Humanos vão *ar* além dos d*re*tos
propriamente d***s, **o pro*e*sos, ou s*ja, * resul*ado s*mpre provisó**o d*s l**as *ue
os seres hu*anos *ol*cam pa*a ter acesso aos bens *ecessári*s à vida." Para La*er (2006,
p. 22 apud PI*VESAN, 20*9, p. 2*5), os *ireitos Humanos não configuram uma hi*tória
126
EJJL
Chapecó, v. 15, n. 1, p. 11*-132, j*n./*un. 2014
Dire*tos hum*nos: a "r*tóri*a" do univer**lismo...
linear, nem uma m*rcha triunfal, *em a hist*ria de uma causa per*ida de antemão, mas
a história *e um comb*t*.
C*mo se pode d*pre*nder, *s Direitos H*manos vão *l*m dos direitos, e nã* são
direitos *ue sur*em ao caso, mas co*o conq*is*a *e d*ras **l**as, travadas ao l*ngo da
história *a human*dade em p*o* *a dignidade da pessoa hum*na. Como já referido, essa
*ignid*de *eve ser vista como um princípio aberto a ser definido de ac*r*o com o tem*o,
o l*gar * o cont*x*o s*ciocul*ural. Nesse sentido, Flor*s ( 20*9, p. 15*) *ssinala qu*:
Os Di*eit*s Hu*anos são uma co*venção cultural qu* u*ilizamos para introdu-
zir u*a tensão ent*e os dire*t** recon*ecid*s e as práticas soci*is qu* *uscam
ta*** seu reconhe*ime*to positiva*o como outra forma d* reconhecimento ou
outro *rocedimento que ga*a*ta algo que é, ao mesmo temp*, exterior e inte-
*ior a *ais *ormas. E*terior, pois as c*nstituições e os tratados "**c*n*e*em"
[...] os result*dos d** *utas *ociais q*e se dão *ora do *irei*o com *b*eti*o de
*onseguir um acesso igualitário e n** hierarquizado "a priori" a** bens neces-
sários a viver. Interior, porque essas normas pod*m *ota* tais resultados de
certos nív*is de garant*as pa*a refo*ça* * seu cum*rimento [...]
*om e*eit*, da abordag*m d* insigne juris** ressalta o pape* que a cultura deve
desempenhar p*ra o recon*ecimento dos direitos *as es*e*** internacionais e n*cionais,
*ssim, com* pensar o u*iv*rsalism* dos D*reitos Humanos *ompatível com os partic*-
laris*os da cu*tu*a d* cada p*vo? E a*é que p*nto a dignidade t*m conteúdo *g*al em
todos os conte**os socioculturais?
Santos (2001, p. 9) ass**ala *ue, como cor*lá**o da tensão en*re a Glo**lização
e o Estado-Nação, o r*c**heciment* universa* dos Direit*s *umanos confronta-se com
o fato de as vio*ações dos Direitos Human*s e as *utas em d***sa da *ignidade humana
continuare* a ter u*a importante dimensão nacional, cuj* atitude perante os Di*eitos
Hu**nos é determinada po* pressupos*os *ulturais específicos, ou seja, a políti*a **s
Direit*s Human*s * *asi*amente uma *olít*ca cultural.
Com efeito, vária* são as co*re**es *ue apr*sentam uma tentativa de supe*ação
da ten**o e*tre o "uni*ersalismo" dos *ireit*s H*manos e o "p*r*icularis*o" *a* cul-
turas, c*mo seja, o multicultura**smo, * relativismo e a intercu*tu*alidade.
3.1 **r*ito* *u*anos, *ult*cultu*a*ismo, relativismo cult*ral e inter*ult*r*lidade
O E*tado *emocrático *e Direito, *lém de apreg*ar * dignidade da pessoa hu-
mana, *em como u* *os princípios *á*icos o pluralismo de ex*ressão, e* *ue se res-
peitam *s diversas formas de pensamento. O m*lticultu*alism* *onsiste *a coexi*tênc*a
**ural de diversas *ultu*as, t*adi*ões, visões e *a*o*es em uma determina*a soci**a*e.
Ele representa uma sociedade mista e plural.
Na ten*ativa de di*log* entre as cultur*s, * na d**er*ê*cia do* julgamentos in-
ternos e ex*ernos a uma cultura, abre-se espa*o para * concepçã* d* *e*at*v*s*o cultural.
Donnelly (200*, *. 90) d*vide o *elativi*mo cultura* em fort* (stron* cultural rela*ivism) e
fraco (weak cultur*l relati*ism), se*do aquele o que def*nde que a cult*ra é a p*i*cipal *ont*
**JL
Chapecó, v. 15, *. 1, p. 119-132, ja*./jun. 2014
12*
Aurélio Adelino Ber*ardo
de v*lidade d*s regras ou do dire*to, e este o que considera * cul*ura como uma f*nte s*-
cundária *e v*li*ad* dos direitos e regras, també* chamad* de univers*lismo fo*te.
No relati*ismo cultur*l fraco ou universalis*o forte, o julgam*nto e*terno é
que *e sobrepõe ao *ulgam*nto i*terno, e com**gina-s* com a visão *niversa*is**
dos
Dir*itos Hum*nos, sendo *ste um denomina**r comum, em razão da co**ição humana,
independentemente *as ma*ifesta*ões cult*rais de *ad* *ugar. J* o relativism* c*lt*ra*
*orte estabelece uma l*mi*ação ao u*iversal*smo dos Di*eitos Hum*nos, fazendo estes
dependerem da variação *ocal de c**a cultura.
Ora, rela*iv*smo cultur*l fraco o* univer*alis*o forte peca pel* fat* *e sob*e-
va*or*r o ju**amento externo, uma ve* *ue cada cultura se asse*ta sobre p*essu**stos
*specíf**os e* que deve sempre se conside**r o julgamento in*ern*. É ne*se â*bito que
Santos (2001, p. 15) considera q*e "[...] a concepç** universal d*s Dire**os *um***s,
constitu* uma *orma de localismo g*o*alizado ou globaliz**ão d*-cima-**ra-bai*o, sen-
do *o*te de \choque de civilizaçõe*\ *omo *oncebe Huntignton, isto é, como arma **
oc*de*te con*ra o r*s*o d* *undo."
A int*rc*ltu*alida*e c*nstitui a *o*vivên*ia e o *iálogo entre d**erentes c*l-
turas, vis*ndo à integ*ação mútua, se*, contud*, eliminar a sua *iv*rsi*ade. Aqui não
existe uma *obreposiçã* *e culturas, mas *** integração. Com efe*to, qual d*ssas cor-
rente* *odem melh*r *u*d*mentar *m* nova co*c*pção d*s Dir*itos Humanos em um*
soc**dade g*obal multicu*tural?
Tanto o universalismo q*anto o relativismo repr*se*tam uma concepção ex*re-
ma no d**logo **tre os Direit*s Humanos * as p*áticas *ociais, à medi*a qu* os pr**e*-
ros não a*rib*em im*ortância para *s particularismos de cada cu*tur*, tran*forman*o
apenas valore* externos * uma cu*tura como u*iversais, e**an*o *qui o *ireito ac*m*
das *ráti*as cultu*a*s e os s*gun*os atribuem extrema im*ortânci* aos particularism*s
e valore* d* cada cultura.
3.2 U* *epe*sar *obre a univ*rsa*idade *os Direitos Huma*os
Hodiernamente, embora pesem * força e os efeitos *a globalização, a diversi-
dade cultural continua *endo *ssente * foco de tensã* en*re a concepção univ*rsal d*s
Direitos Humanos e as **átic*s culturais. Ade*ais, a concepçã* u*iversa* dos Direitos
Huma*os é *ada vez mais posta *m xeque *m razão da sua não aplicação univer*al,
principal***te quando * usa*a como funda*ento de ações com vis*a* * sua pro*eção.
P**a clarif*car o que f*i ref**ido, *asta ater-*e a** casos paradigmático* da Lí*ia e da
Síria em que em u* caso "em n*me" da pr*teç*o dos Direitos Human** se *egitimaram
ataques ao regime de Kadafi, enquanto que em outro, exi*te uma omissão *uase
que
completa da co*unidade in*ernacional qua*to à* vi*lações dos D*reitos Humanos. Em
um sentido formalista, Santo* (2001, p. 16) refere que os Direitos Hum**os não são de
ap**caç** un*versal, *ela existência a*ua* de qu**ro *istemas di*tintos d* *plic*ção *o*
D*rei*os *umano*: o a*r*cano, o *uropeu, o interamericano e o asiát*co.
128
EJJL
C*apecó, v. *5, n. 1, p. 119-132, *an./jun. 201*
Direitos humanos: a "retórica" *o u*iversalismo...
A *eor*a cr*t*ca **s Direit*s H*manos con*idera q*e estes t*m como pressu*os-
tos a c*ltura oc*d*ntal, e como ta*, universaliza-o* a todo* *s lugares e *ultura*. Kersting
(2003, p. 94) entende *u* a *olução *a tensão e*tre os Direitos Hum**os * as prá*ic*s
*ociais passa pel* de*iniçã* *o ser *um*no suje*to desses Di*eit** Humanos na esfera
*ré-cultural, o* seja, * ser **mano natura*, o ser hum*n* nu, * ser huma*o d* d*utrina
*e classi*icação *iol*gica, o h*mo sapiens; para ser universal, dev*-se i*terpretar *omo
d*re*t*s do ser *u*an* pré-c*ltura* independente de qualquer cultura, devendo apenas
se basear *a *ulner*bilidad* humana. No en*anto, par* Flores (2009, p. 156-164), para
supe**r a polê*ica do u*iversalis** *o* Direit*s Humanos e d* parti*ularidade das
*ulturas, t*m-se que adotar uma vis*o complex* b*seada na racionalidade d* resistênc*a
e na *rática intercultural, em *ue re*haç* o e*sencialismo do universalismo e o particu-
*arismo, e**rg*ndo uma visão com*lexa d* real, na qua* exist* u* poder constituint*
difu*o que se c*mpon*a nã* de imposições * *e ex*lu*ões, *as de g*nera*id*des *om-
pa*tilhadas que constit**m ponto de chegada e nã* de par*ida.
P*ra Santos (2**1, p. 25), "[...] no c*mpo *o* *irei*os humano* a *u**ura oc*den-
t** dev* apr*nder com o sul par* que a fals* univer*a*idade a*rib*ída aos d*r*itos hu-
mano* *o context* i*pe*ial *eja convertida [...] em um diálogo *n*er*ul*ural", n*o exis-
ti*do, a*sim, renúncia de u*a determ*nada cul*ura, mas uma in*egra*ão * inteiração.
Outr*ssim, o insigne aut** lus* entende que uma das premiss*s d* *rans*orma-
ção dos Direitos Hum*nos ** uma concepção ema*ipatória é o fato *e "[...] todas as cul-
t*ras terem v*rsões *ifere**es de dign*dade humana, uma* mai* amplas qu* as o**ras,
**gumas com um círcu*o de rec*pro*idade ma*s ampl* q*e a outr*, ***umas mais aber*as
a outr*s cul*u*as do qu* * outra*." (SANTOS, 2*01, p. 19). Nesse sentido, defende-se que a
digni*ade da p*sso* hu**n* não pode apenas ser *i*ta na sua dimensão natural, porém,
ela se complementa com a dimensão cult*ral, v*s*o *ue é fru** d* constru*ão *as *i*e*sas
geraçõ*s, à medida que é uma qualidade inerente a todos os h*mens, po*é*, um princípio
aberto que *eve ser defin*do d* *c*rdo com o te*po, o *ugar e o conte**o soc*o*ultural.
Assim, es** v*s*o da d*gnidade permite u*a conc*pção intercu*tur*l dos Dir*itos
Hu*anos, permi*indo qu* estes po*sam ser facilmente interpret*dos, a*alisados e in*e**-
dos de*tro de cada conte*to. Nesse pris*a, o universalismo dos Dir*ito* Humanos deve
ser *epe*sa*o de form* que seja visto c*mo a luta u*iv*rsa* pela dign*da*e h*mana, não
uma dignidade *onc*bida * priori, *m* dignidade imposta de-cima-*ara-baix*, ma* uma
d*g*idade entendid* de acordo *om cada tempo, l*gar e *ontexto sociocultu*al.
Conclusão
O *iscurso uni*ersali*ta dos Direitos H*manos c*nsti*ui um dis*ur*o ret*rico,
politic***nte correto, *atapu*tado pe*a sociedad* ocidental, mas que po*co se *ompa-
**na com o mu*ticu*turalismo da sociedade *lob*l. Miranda (*9*8, p. 29) a*sin*l* qu* a
univ*rsalização dos p*o*lemas políticos e *conôm*cos, bem como ao se tornar *omu* a
todos os *ovos a *rença n* necessida*e e no valo* dos direi*os do homem, po* si só, não
determinam a unifo*midade d*s c*vilizações, n*m um sentir e re*letir homogêneo dos
EJJL
Chapecó, v. 15, n. 1, p. 119-132, *an./jun. 2014
129
Aurélio Ade*ino Bernardo
valores ine*entes à dignidade humana, *ois o modo como *l* se pensa ref*e** todas as
diferenças d* índole, d* religião, cultur*l * civ**izacion*l, de *undamen*ações filosóficas
* sistematiza*õe* jur**ica*.
P*r *u*** lado, a versão ** digni*a*e humana da soc*edade a*rica*a é diferen-
*e *a v**s*o de digni*ade human* d* s*cied*de am*ri*ana ou *atino-a*eric**a, be*
como a concepção d**t* di**re da socied*de *uro**ia * *a sociedade asi*tica, pese em-
b*r* qu* algu*as *enh*m um denominado* comu* mais a*p*o *m r*lação às out*as.3
O padrão de vida digna em u*a co*unidade índia * dife*ente do padrão de vida digna
na so*iedad* ocident*l, e*c.
Nesse prisma, para se t*an*formar o discurso re*órico da univ*rsalidade dos
Diretos *umanos *m *m discurso que se com*agina com a at*a* soci*dade global mu*-
ticult**al, de*e-s* (re)pensar * un*vers*l*dad* co*o luta pela dign*d*de **mana, en-
t**did* *e acordo com o l*gar, o tem*o e * *ontext* socio*ultur*l, e não com valores
impostos de-cima-para-baixo, rejeitando to*o e *ual***r part*cularismo que com e*a
**o se c*m*a*ina, mas *rop*ciando u* dialogo quiçá intercult*r*l.
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3
U* exemplo típico *a soci**ade africana pode-se verif**ar *o que se *ef*re à ed*cação dos filhos meno*es, que mesmo
tendo um emp*ega*o dom*stico p*go para realizar todas as *ti*i*a*es de casa, a criança a partir dos cinc* ou se*s *nos
tem q*e, nec*ssariamente, ajudar *os trab*lhos domésticos, lava*d* no **nque a su* roupa pessoa*, indo fazer peque**s
compras no merca**; c*m 10 ou 11 anos deve começar a cozinhar a*guns alime*tos, fato que é v*sto pelos pais e *el* so-
ciedade *fricana *omo a m*lhor pre*a**ção *ara a vida adulta, n*o co*o maus-tratos ou **olação de direitos das cri*nça*,
**is tod*s *logiam os pais por s*us fil*os pod*rem saber desempenhar as atividades referidas, o que, em uma sociedade
o**dental, é impensáv*l *al situaçã*.
130
EJJL
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Data da submissão: 04 de julho *e *01*
*v*liado *m: 14 de s*tembro de *013 (Avaliador A)
Avaliado em: 01 de junho d* 2014 (Avalia*o* B)
*cei*o em: 09 de j*nho de 20**
EJJL
Chapecó, v. 15, n. 1, p. 119-132, jan./*un. 2014
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